Ao atender uma chamada de telefone e começar a falar com a atendente, já está ficando difícil reconhecer se é realmente uma telefonista ou uma atendente virtual que disse “alô, se foi você que utilizou seu cartão de crédito, tecle uma das seguintes opções…”.
O mundo da inteligência artificial é apresentado em 10 capítulos na obra 2041. Cada capítulo inicia com um texto romanceado, um conto de ficção científica escrito pelo coautor da obra, Chen Qiufan. Após a narrativa literária, segue-se uma análise científica dos recursos tecnológicos feita por Kai-Fu Lee.
Este autor apresenta a inteligência artificial em ondas, sendo que a próxima onda é a da automação.
Os primeiros capítulos tratam da IA aplicada a situações práticas, como atividades preditivas para precificação de seguros, por exemplo, além do desenvolvimento de IAs específicas para a educação, como assistentes permanentes e pessoais.
Mas os perigos trazidos por dados e algoritmos contaminados por vieses e preconceitos — conscientes ou inconscientes — dos próprios humanos são sempre analisados.
A IA generativa, capaz de mimetizar imagens e voz, passou a representar um real perigo de exposição da intimidade e de vulnerabilidade democrática. A deepfake é analisada com criatividade para demonstrar que precisaremos de programas anti-fake para lidar com o upload, na internet, de vídeos ou áudios falsificados.
A pandemia provocou um drama humano.
Imediatamente, os que puderam, passaram a trabalhar de casa e, com isso, percebemos que, apesar dos desafios (Lima; Mendes, 2023; Lima, 2024), produzimos mais no ambiente doméstico, sem interrupções e sem deslocamentos.
O meio ambiente agradeceu também: pássaros como tucanos e araras voltaram às cidades…
A biotecnologia, com as aplicações da IA, pôde contribuir para o desenvolvimento de vacinas, e isso será uma realidade daqui para frente. A Internet das Coisas, colhendo nossos dados até dos nossos travesseiros, no modo como nos mexemos ao dormir, nossa respiração.
Até nos movimentos que fazemos com a escova de dentes, iremos fornecer dados que, cruzados com nossos relatórios médicos, permitirão inferir tratamentos preventivos.
Haverá sempre problemas com a proteção de dados, mas a IA também poderá adotar com facilidade recursos de anonimização.
Durante uma pandemia como a da COVID-19, robôs poderão facilitar as entregas para evitar o contato físico — e isso aconteceu na casa do próprio escritor, em Pequim, onde um robô acionava seu elevador por wi-fi e deixava a encomenda na porta.
Imagine podermos assistir a um diálogo, alimentadas as ferramentas que produzem realidade virtual a partir de textos filosóficos e das figuras das esculturas, entre Aristóteles e Platão… Essas e outras interfaces entre o real e o virtual estarão presentes como uma espécie de imortalidade virtual: “Luvas hápticas permitirão que você pegue objetos virtualmente e os sinta. E trajes somatossensoriais podem fazê-lo sentir frio ou calor e até mesmo que está levando um soco ou sendo acariciado” (2022, p. 231).
Muito mais do que o problema da alteração de voz no caso da deepfake, a realidade virtual traz implicações éticas importantes. Carros autônomos, computadores quânticos, armas autônomas: uma realidade muito avançada cuja potencialidade se tornará parte do cotidiano em breve.
Na visão utilitarista do autor, em essência, as tecnologias não são, ex ante, nem boas nem más: “A tecnologia é inerentemente neutra” […] “Tecnologias disruptivas podem se tornar o fogo de Prometeu ou a caixa de Pandora, dependendo do humano que as usa” (2022, p. 329).
A computação quântica trará benefícios incontáveis para a medicina, por exemplo, impondo desafios imediatos às criptomoedas, cuja segurança, baseada em blockchain, será rapidamente violada. Mas o grande impacto de todas essas tecnologias se dirige a algo fundamental para a coesão social: o trabalho humano.
O autor acredita que as infinitas possibilidades que a IA proporcionará podem mitigar o problema da escassez, gerando conforto e abundância. Os desafios para o trabalho humano são intensos, desde a capacitação até o desenvolvimento de novas habilidades, sem descartar a invenção de novas profissões. O próprio aumento da longevidade, associado à biotecnologia, soma-se ao perigo de extinção de postos de trabalho como uma disrupção na Seguridade Social. Esses e outros temas, sempre acompanhados de um agradável conto de ficção de Chen Qiufan, aguardam o leitor de 2041 — quarenta e um (41), como um pictograma de AI (Artificial Intelligence).
REFERÊNCIAS
LEE, Kai-Fu; QIUFAN, Chen. 2041: como a inteligência artificial vai mudar sua vida nas próximas décadas. Tradução Isadora Sinay. Rio de Janeiro: Globo Livros, 2022, p. 281-429.
LIMA, F. L. de A.; MENDES, V. A. M. F. Interacciones sociales en el teletrabajo obligatorio: De la racionalidad instrumental a la teoría de la acción comunicativa en el contexto laboral. Revista Chilena de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social, [S. l.], v. 14, n. 28, p. 115–128, 2023. DOI: 10.5354/0719-7551.2023.71481. Disponível em: https://revistatrabajo.uchile.cl/index.php/RDTSS/article/view/71481. Acesso em: 7 abr. 2025.
LIMA, Fábio Lucas de Albuquerque. REFLEXÕES SOBRE O TELETRABALHO COMPULSÓRIO: DESAFIOS DO PONTO DE VISTA DO INDIVÍDUO . Revista de Estudos Interdisciplinares , [S. l.], v. 6, n. 1, p. 01–21, 2024. DOI: 10.56579/rei.v6i1.752. Disponível em: https://revistas.ceeinter.com.br/revistadeestudosinterdisciplinar/article/view/752. Acesso em: 7 abr. 2025.